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Swan Lake, espetáculo coregrafado pelo israelense Idan Cohen, foi apresentado nos dias 18 e 19 no Teatro Vila Velha. A obra, que estreiou em 2009, na Polônia, veio para Salvador durante o Festival Internacional Vila Dança-Ano 6 trazendo, no elenco, as dançarinas Reut Levi, Sharon Vazanna e Tamar Grosz. A obra é uma releitura contemporânea do clássico O Lago do Cisne que foi apresentado, pela primeira vez, em 1877 mas imortalizado por Marius Petipa e Lev Ivanov, em 1895. O espetáculo do século XVII era reflexo do período Romântico vivido na Europa e atravessava todas as manifestações artísticas da época. Conta a história de amor entre um príncipe solteiro e uma princesa que, amaldiçoada por um bruxo, ganha o formato de cisne durante o dia e de humana durante a noite. Depois de traições, lutas e promessas fervorosas de amor eterno, o casal afoga-se em um lago, liberta-se das maldições do bruxo e fica livre pra viver um amor feliz para sempre.
De lá pra cá, já foram feitas inúmeras montagen e releituras desse clássico romance mas o mérito de Idan Cohen é justamente atravessar essa premissa e trazer para a cena apenas três mulheres e um cenário feito só com tomates espalhados pelo chão. Aqui, a história romântica dá lugar a uma coreografia dramática, rápida e cheia de espasmos, tosses, sons e grunhidos. Em vez de conto de fadas, final feliz e uma bailarina principal frágil, indefesa, delicada, sonhadora e incorrigivelmente apaixonada, as dançarinas de Cohen saltam sobre os joelhos, arrastam-se pelo chão e rolam pelos 70 kilos de tomates dissipados pelo teatro.
Essa quebra de expectativas começa logo na primeira cena quando apenas um feixe de luz atravessa a diagonal do cenário. Ali, durante três minutos, a platéia pode ouvir a canção-tema de O Lago dos Cisnes, e imaginar linha após linha de "cisnes" agitando os braços como asas poderosas. Mas longe dos 32 fouettés en tournant da variação de Odile no pas de deux do cisne negro, a cena seguinte revela movimentos contorcidos, rostos agitados e um ritmo marcante referente a uma das peças musicais do 3° ato.
Em relação aos temas musicais, Idan Cohen preserva a música original escrita por Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840 – 1893) sem mudanças de tempo, nem adaptações melódicas. O que acontece são cortes da obra como um todo. O espetáculo de 1877 é divido em 4 atos e possui um total de três horas - uma estrutura típica de balé clássico – já Swan Lake não leva mais que 80 minutos, com um intervalo. Assim, o que se ouve é uma seleção de peças do 3° e 4°ato e o identificável tema romântico de O Lago do Cisnes.
Da estrutura original, Cohen dá enfase a festa de aniversário do príncipe (3° ato) e ressalta três elementos nesta referencia: um nariz de palhaço, um chapéu de aniversário e uma coroa de flores. Esses itens aparecem durante todo o tempo, tanto no figurino quanto no cenário e tornam-se fundamentais na produção de sentido da obra. No inicio, surgem como uma chacota a essa comemoração anual, depois são usados pra simbolizar o fim, contradizendo a ideia de alegria e festa através do afogamento e da morte das intérpretes. Essas dualidades perpassam todo o espetáculo de Petipa e Ivanov: bem/mal, paixão/traição, humano/animal, morte/vida, ridículo/belo, salvação/condenação, liberdade/prisão. São contradições da natureza humana que acabam fazendo de O Lago dos Cisnes, uma obra atual. Pensando nisso, o coreógrafo iraniano revisita esses assuntos e questiona como nos relacionamos com tais dualidades nos dias de hoje.
A ideia da manipulação é outro aspecto importante da obra. Dentro dos relacionamentos de O Lago dos Cines, esse ponto é crucial. Podemos perceber a dualidade do malvado Von Rothbart que mantém Odette em seu poder e a influência de Odile sobre o príncipe Siegfried. Aqui, Levi, Vazanna e Grosz manipulam uma às outras formando poses e novos movimentos ou; a si mesmas dando o aspecto de neurose que perpassa todo o espetáculo. Os joelhos, o rosto e os braços são suspendidos, deslocados, desfigurados. Elas empurram-se e ao mesmo tempo controlam corpo como se fossem partes independentes, sem vontade, sem identidade. Corpos que vão deixando a forma humana e aos pouco vão ganhando características animalescas. Corpos que entram em colapso.
Elas vomitam sons de risos neuróticos, convulsões, barulhos de vento e água, acessos de tosse, latidos e os últimos suspiros do afogamento. Idan Cohen transforma o nariz de palhaço em tomates que, por sua vez, são transformados em um lago que sufoca as anti-heroínas. Assim, fica claro que, para Idan, a beleza clássica de O Lago dos Cisnes não faz mais sentido na socieade contemporânea. Por fim, a questão que o coreógrafo deixa é: qual é o “lago” que estamos vivendo? De qual “lago”estamos lutando pra sair?
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