A princípio a relação corpo e poesia é bastante óbvia. A construção/elaboração da linguagem articulada em formatos estéticos, seja pela fala, seja para cifragem de códigos, se relaciona com a emergência do corpo (já que matéria), por corporificar o que apreende emocionalmente do ambiente, no intuito de tornar-se ambiente, ao expressar-se. Uma forma de dizer que a linguagem poética é o modo de nos tornarmos um no/com o todo. A materialização da experiência no todo é sempre, e sob quaisquer circunstâncias, mediada pelo corpo em sua integridade.
O corpo agencia suas própriocepções em linguagem. Ao dizermos: no humano tudo é linguagem, algo, no entanto, fica em espreita. A função mais imediata do corpo é a comunicação. O próprio estar do corpo no ambiente já é comunicação. Já há uma relação explícita de comunhão entre os fenômenos da natureza corporal e os fenômenos da natureza do ambiente em que ele se coloca. E a partir desse ambiente, com todos os demais, em mais amplos espectros do ambiente, se quisermos: em rede. O rizoma de Deleuze/ Guatarry.
Desse simples estar do corpo toda uma rede de interlocuções com o espaço-tempo já estão em andamento. A nível do real e do virtual, a nível do concreto e do abstrato. O corpo é eminentemente material, isso, no entanto, não o limita a sua concretude. A carne ao se reconhecer carne projeta sua própria existência pra si mesma e ao fazê-lo imagina, é tomada por um fluxo de imagens, que desestabiliza seus estatutos de material hiper-concreto. Deseja o que projeta em imagens, e se coloca a cada instante em carne e forma expressiva desestabilizando também o ambiente – o fluxo espaço-temporal. A filosofia de Merleau-Ponty que o diga. A experiência de consciência é o produto mais obvio derivado dessa comunicação.
Ou, na experiência do existir do questionamento/desejo da carne (porque só sou nesse quando e nesse onde?) a existência do espaço-tempo e do corpo se desfaz, virtualiza. A própria concretude da carne é, portanto, sua mais clara abstração.
Essa incessante pulsão poética do corpo pelo prazer de cada instante delimita suas ações, contorna suas formas projetadas, individualiza e socializa uma identidade em decifração atualizada no ambiente, agora já sem distinção entre o fora e o dentro, ancorada nesse limiar que é a linguagem, por sua vez ancorada à língua – as vezes traços, as vezes pele, as vezes forma, as vezes sons, mas sempre mecânicas de articulações e músculos checando a materialidade, através de relações.
O que o corpo quer então da poesia? Decifração? Ludicidade? Comunicação? comunhão? N.D.A.? Se tudo é linguagem, se no universo também as relações se configuram em termos de interlocuções e contrapartidas, a ordem, o nível, os códigos desse jogo ao serem notados pelo corpo convidam o corpo, essa individualidade, a um mergulho no universo, um mergulho que a depender dessas individualidades, do tempo e do espaço, sob qualquer dos pretextos acima, mas um mergulho irrevogável. Irrevogável sobretudo por questões materiais. A materialidade emergente do corpo no/do espaço-tempo, unicisa sua condição ao agora/aqui, não só em termos reais. A imagem é ainda mais efêmera e eterna.
A relação entre o corpo e a linguagem, pode se dizer, é a da emergência do desdobramento, não da meta, mas do desdobramento. A cada interação de dados entre as individualidades do sistema ocorre dentro da própria comunicação um desdobramento, um devir de encantamentos possíveis. A reafirmação do tempo pela expectativa de novos possíveis encantamentos. Qualquer que seja o objeto de encantamento criado pelo corpo na sua construção cultural. A partir desse encantamento a ficção se instaura no real a partir do corpo. Expressa uma tal individualidade no ambiente, e a partir daí o ambiente carece de novas operacionalizações, provocado por sempre novas desestabilizações, ad infinitum, mas sempre agora aqui.
O infinito-agora rejeita a burocracia. Rejeita o cumprimento de normas e procedimentos lúgubres. O infinito-agora se realiza no vivo, na contradição, na ansiedade, na curiosidade, na falha, no medo, enfim na instigação do vivente. O presente, dado a sua complexidade só pode ser tratado pelo poético. Por isso o corpo-agora-vivo rejeita o prosaico. Rejeita a hora, e se encanta com o tempo, rejeita o caminho pra se perder no espaço. Rejeita futuro e passado pelo sonho presente.
Submerso no presente, a individualidade-corpo procura a poesia mais que o contato - Toque-me pelo amor de Deus para eu saber que eu existo. Não apenas devido ao reconhecimento da efemeridade do contato, mas sobretudo pela urgência de eternidade presente contida na relação que o corpo pode ter com o espaço-tempo, que no fim das contas é a única possível. Qualquer outra relação com o ambiente se torna impossível já que o corpo de uma qualquer individualidade é criado em ficção na cultura, a própria burocracia relacional é um poema. Tentativa de poema, mas poema..., De mal gosto, mas poema... Uma ficção, que é o único modo do humano-corpo se aproximar do não eu, se é que ele existe.
O corpo, essa integridade analítica, individualidade universal, tem poucas saídas a não ser tentar a poesia, sem nunca atingi-la de fato, se se pretende vivo. Tudo mais é a burocracia do existir: comer, cagar, dormir, trepar, viver e morrer. Na verdade outra poesia, ou melhor uma outra ficção, que o ego pode suportar, se consegue reter na máscara o momento fugaz do flash sobre a maquilagem, mas o corpo não.
Referencia bibliográfica
MERLEAU-PONTY, M. - O Olho e o Espírito, trad. Luís Manuel Bernardo, Lisboa, Vega-Passagens, 2000;
GOSWAMI, Amit – O Universo Autoconscinte,Como a Cosnciencia Cria o Mundo Material. São Paulo, Aleph, 2007.
DAMASIO, Antonio - Em Busca de Espinosa: Prazer e Dor na Ciência dos Sentimentos. Cia das Letras. São Paulo.2004
DAMASIO, Antonio - O Mistério da Consciência. Cia das Letras. São Paulo. 2000
DELEUZE, Gilles/GUATARRI, Felix. Mil platôs, vol. 03 – Capitalismo e Esquizofrenia. Ed. 34. 1999

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