Caderno 3
BALANÇO (21/7/2009)
Ruídos e movimento
Com alguns problemas estruturais, Festival de Dança Litoral Oeste voltou a acontecer, reafirmando sua importância para os artistas cearenses
Das imagens possíveis, uma de parece particularmente precisa para descrever o III Festival de Dança Litoral Oeste. É de uma canção lançada em janeiro de 1970 pela dupla folk Simon & Garfunkel: “como uma ponte/ sobre águas turbulentas/ eu vou me deitar”. O evento aconteceu entre os dias 16 e 18 deste mês, dividindo-se em três cidades sede, Itapipoca, Paracuru e Trairi. Ele foi realizado pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult) e promovido da Associação dos Bailarinos, Coreógrafos e Professores de Dança do Ceará (ProDança).
Espinhos
Sob a arte e as pontes construídas entre artistas e público, as águas eram revolvidas por uma série de problemas. O mais antigo e vicioso é o da precariedade estrutural do Interior do Estado. Bem que se tenta vender o Ceará como um paraíso turístico, mas é difícil comprar esta idéia com tantas contradições. Não falo apenas das condições básicas das cidades (cujas faltas vivem a ser denunciadas e jamais resolvidas). Assusta, particularmente, certo apagão nas comunicações. São os celulares que não funcionam, os telefones públicos sem manutenção e a Internet que é artigo raro. Talvez ver o repórter que vive em Fortaleza reclamar tanto pareça chilique de burguesinho mal humorado, mas lembro que deve ficar muito difícil para os grupos locais se comunicarem com artistas de fora do Estado ou mesmo se informarem a respeito de editais e resultados de concursos.
Outra quimera que faz as águas se revolverem é o descompasso entre produtores e o poder público. É a velha corrida pelo dinheiro, que parece preso a um anzol matreiro, que foge cada vez que parece estar a um passo. O festival, que já tinha deixado de ocorrer no ano passado, correu o risco de não ter sua edição 2009. Os recursos só apareceram na véspera, o que legou seqüelas ao evento. “A pessoa que está à frente da Secretaria da Cultura (Auto Filho) tem um histórico de resistência, mas não tem resistido à invasão da cultura enlatada. Alto lá, seu Governador. A cultura do Estado merece respeito”, protestou Flávio Sampaio, diretor da Escola de Dança de Paracuru, em cima do palco, no encerramento do Festival. “Prefiro me expor a me calar”.
Em Itapipoca, o palco era mais alto que nas demais praças. O que atrapalhou a visualização dos espetáculos e chegou a inviabilizar, pelo menos, uma apresentação do grupo Fuzuê, de Fortaleza. Não existiram palcos alternativos - o que acabou por modificar apresentações mais “intimistas”.
Itapipoca foi destaque por seus extremos. É de lá a Companhia Balé Baião, que apresentou dois bonitos espetáculos de dança contemporânea (“Pátria sertaneja” e “Sólidos”), e um público disposto a interagir, mesmo com as manifestações mais estranhas. Mas foi lá também que se viu as piores instalações. Contrapartida da Prefeitura Municipal, as condições de hospedagem eram calamitosas; em certos quartos, o banheiro sequer tinha porta. A sala de produção funcionava na Secretaria de Cultura que fechava no término do expediente, às 17 horas, enquanto as apresentações começavam às 19 horas.
Flores
Depois das críticas, o leitor pode questionar: onde está a ponte que se estende sobre as águas turbulentas? Precisamente onde é indispensável que ela esteja: entre os artistas, os militantes da dança, os aspirantes a dançarinos e o público. Se a chuva atrapalhou apresentações noturnas, quando chegava no final da noite e obrigava alguns grupos a cancelarem suas performances, o tempo bom assegurou as oficinas na parte da manhã. Em geral, elas estavam lotadas por um público misto que reunia moradores locais e artistas de outras companhias em busca de interação, de trocar vivências e multiplicar as possibilidades de criação. Mesmo com pedras no chão, o que se viu foi o balé da resistência de uma arte.
* O repórter viajou a convite da Secult
DELLANO RIOS
Enviado ao Litoral Oeste*
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