Este ensaio faz parte de uma pesquisa em processo.


A construção do corpo
Wagner Ferraz


"Constatamos, hoje, que o homem não se compreende como um corpo, mas sim como um possuidor de corpo, herança bem documentada desde Platão, confirmada pelos medievais e modernos e assumida com todas as suas conseqüências pela cientificidade e tecnologia contemporâneas. SANTIN (2003:68)".


Partindo de um ponto de vista antropológico, tudo é construído socialmente, inclusive o corpo. As culturas envolvem, recebem, transformam, moldam e modificam os indivíduos com base em valores vigentes que determinam o certo e o errado em cada meio onde se vive ou transita.

O corpo é o meio onde habita pelo qual é possível vivenciar essas culturas. É no corpo e através do corpo que se dá as trocas com o meio e com outros indivíduos, sendo o corpo construído em todos os instantes através das representações e através do “outro”. Esse outro precisa existir para que possa ser visto e o sujeito possa se perceber, observando as semelhanças e diferenças.

Certos valores ainda podem ser observados associados somente ao corpo físico (de modo geral tronco, membros, órgãos e tudo o que o compõe) e outros valores são atribuídos a mente, alma e possibilidades de algo superior a essa matéria física chamada de corpo.

Outras contribuições como às apresentadas por HALL (2001), lembram que esse corpo está além de um conjunto de órgãos e que o filósofo francês René Descartes (1596-1650) apresentou uma divisão onde o corpo “era” visto como duas substâncias distintas – a substância espacial (matéria) e a substância pensante (mente). Assim nasceu o grande dualismo entre a mente e a matéria que tem afligido a filosofia desde então. Descartes colocou o sujeito individual no centro da mente, constituído por sua grande capacidade para o raciocínio e o pensamento. O filósofo registrou na história a familiar (para algumas pessoas) frase, “cogito, ergo sum” – penso, logo existo - que faz referência ao sujeito cartesiano, o sujeito racional, pensante, consciente situado no centro do conhecimento.

Automaticamente o que não estava ou o que não está associado à mente ficou em segundo plano podendo ser reconhecido como impuro, inferior, sem valores reconhecidos como importantes. Dessa forma, o que é associado à mente acabou sendo visto como algo da alma, algo elevado, algo ligado a energias ditas por muitos como divinas. E o que ficou associado ao corpo, matéria, físico está diretamente ligado ao pecado, aos prazeres da carne, ao impuro.

Aprendemos que pensar é algo que diz respeito à mente, e dançar, correr, praticar algum esporte faz parte do corpo que está separado dessa mente, faz parte dos “braços, pernas e tronco”. Porém, o que não se leva muito em consideração no senso comum, é o fato de que para esse corpo correr é necessário um comando do cérebro (mente), e para o cérebro materializar suas intenções são necessários “braços e pernas”. SANTAELLA (2004:15) completa dizendo que “... se não há corpo, onde estaria o suporte de sustentação do sujeito?”. Vivenciar o corpo, sentir o corpo é o que auxilia a perceber que o corpo não é de ninguém, e sim que o corpo é alguém, o corpo é o próprio sujeito.


"O principio do uso do corpo deve ser substituído pela idéia de ser corpo, isto é, de viver o corpo, de sentir-se corpo. Não sou um eu ou uma consciência os proprietários de um corpo, do qual se servem e fazem o uso que bem entendem, como qualquer utensílio. SANTIN (2003:66)".



O corpo é único e não divisível, assim como sua relação com o mundo. MERLEAU-PONTY citado por SANTIN (1994) diz que o homem e o mundo são uma única realidade e não dois elementos. O eu e o mundo formam uma totalidade, o “eu” é o mundo e o mundo é o “eu”.


O corpo e suas técnicas de construção
As noções de corpo mesmo carregadas de informações que caracterizam o homem com um ser divisível, automaticamente sofrem interferências sociais de acordo com cada sistema de cultura, que se encarrega de forma “natural” de “alterar” os corpos e suas representações dando continuidade à construção da corporeidade de cada um. Todas essas informações e visões sobre o corpo possuem uma grande influência sobre o mesmo.

Assim nos identificamos, naturalizamos o que nos interessa, alteramos nossos padrões de comportamento e tudo se torna percebível ao mundo através do corpo. De acordo com GREINER e KATZ (2003) o corpo contamina e é contaminado, o corpo altera o meio e o meio altera o corpo. Dessa forma, o corpo constrói o mundo com suas técnicas e o mundo constrói o corpo, é uma troca incessante de informações, um dentro e um fora indivisível.

Assim nos identificamos, naturalizamos o que nos interessa, alteramos nossos padrões de comportamento e tudo se torna percebível ao mundo através do corpo. De acordo com GREINER e KATZ (2003) o corpo contamina e é contaminado, o corpo altera o meio e o meio altera o corpo. Dessa forma, o corpo constrói o mundo com suas técnicas e o mundo constrói o corpo, é uma troca incessante de informações, um dentro e um fora indivisível.Nas palavras de

MAUSS (1974) o sujeito se constrói socialmente através de técnicas corporais, ninguém nasce sabendo andar, comer com garfo e faca assim também como não se nasce dançando. Nada é natural, tudo é naturalizado, todo aprendi-zado se dá através das técnicas corporais, e segundo o autor toda técnica tem sua forma, e é através do corpo que essas técnicas se tornam existentes. Também acrescenta que as técnicas corporais são as maneiras como os individuos, de todas as sociedades e de forma tradicional, sabem servir-se de seus corpos. Para o autor o corpo é construído para se tornar sociável de acordo com a cultura em que se insere, sendo que, os costumes variam de cultura para cultura. Todo e qualquer corpo terá uma formação de idéias, comportamentos, atitudes, costumes e valores com base em suas experiências de vida e modelos formatados que estejam “contribuindo” automaticamente para esta determinada construção.

E assim o corpo é construído, artificializado com as buscas e acontecimentos de cada um. O corpo é construído por academias de ginástica e musculação, cirurgias estéticas, implantes de silicone, tatuagens, piercings, caminhadas, corridas, conversas, estudos, roupas, respiração, alimentação, arte e infinitas experiências, vivências, exemplos e imposições, por tudo que faça parte da vida de um indivíduo, esteja esse indivíduo presente ou apenas ouça falar em um determinado assunto ou veja certa imagem. O corpo (corpo/mente/indivíduo) constrói o mundo que o constrói, pois como já citado, tudo no mundo surge através do corpo ou passa pelo mesmo.



Referências:
GREINER, Christine e KATZ, Helena. A natureza cultural do corpo. In: SOTER, Silva e PEREIRA, Roberto (org.). Lições de Dança 3. Rio de Janeiro: Universidade, 2003.

HALL, Stuart. A identidade Cultural na pós-modernidade. 5. ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001.

MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Volume II. Trad. Lamberto Puccinelli. São Paulo: EPU, 1974.

SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação, sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.

SANTIN, Silvino. O corpo e a ética. In: DANTAS, Estélio H. M. O corpo e o movimento. Rio de Janeiro: Shapa, 1994.

SANTIN, Silvino. Educação Física – Uma abordagem filosófica da corporeidade. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2003.

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