Mariana Muniz
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Tempos de Criação em Dança.Texto escrito por Mariana Muniz e publicado pela Universidade Federal da Bahia,2007


TEMPOS DE CRIAÇÃO EM DANÇA
Mariana Muniz
RESUMO
O objetivo deste relato é contextualizar e descrever meus processos de criação em dança, cujos resultados foram levados ao público. Experimento fazer uma sistematização dos procedimentos criativos que estiveram envolvidos na elaboração de todos os trabalhos, buscando ressaltar o que foi comum a todos e o que os tornou singulares.
Palavras chaves: corpo/mente; treinamento; movimento; coreografia; improvisação
TIEMPOS DE CREACIÓN EN LA DANZA
Mariana Muniz
Resumen
El objetivo de este relato es contextuar y describir mis métodos de creación en la danza, resultados de los cuales han sido transmitidos al publico.
Yo experimento hacer uma sistematización de los procedimientos creativos que hicieron parte de la elaboración de todos los trabajos, buscando resaltar lo que há sido común a todos y aquello que los há transformado en singulares.

Palabras-llaves : cuerpo/mente;entrenamiento;movimiento;coreografia;improvisación.


CREATION TIMES IN DANCE
Mariana Muniz
Summary
The objective of this report is to discuss and describe my creation methods concerning Dance, the results of which have been made public.
I usually try to sistematize the creative procedures that were involved in the ellaboration of all works, seeking to point out what has been common to all of them and the factors which have turned them into exceptional ones.

Keywords: body/mind;training;movement.choreography;improvisation


Origens e influências
Quando em finais dos anos 60 , ainda aluna da Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro ,conheci Klauss Vianna, abriu-se para mim um mundo de possibilidades poéticas e criativas através da dança. Numa simples conversa, onde sua consciência crítica do fazer artístico discorreu sobre o sentido de trabalhar com o movimento corporal e a poesia de João Cabral de Melo Neto, minha concepção de dança começou a passar por um processo de revisão e reestruturação.
O meu contato com a dança moderna ( Lurdes Bastos) e suas potencialidades enquanto linguagem corporal se ampliaram a partir do momento em que, após o término da Escola de Danças, comecei a freqüentar os cursos de Expressão Corporal e Dança Clássica ( de um ponto de vista absolutamente renovador) , ministrados por Klauss e Angel Vianna.
Centrado no estudo do "corpo" enquanto fonte principal do saber, imprescindível a uma prática criativa de qualidade, o trabalho desenvolvido pelo casal Vianna, me permitiu os primeiros exercícios de criação coreográfica.
Até então , havia dançado em muitos balés , coreografada em diferentes estilos de dança - balé clássico ( ponta e meia - ponta ) , neoclássico, dança moderna, dança flamenca e jazz . Meu corpo nascia híbrido para a criação , no sentido em que nos fala Laurence Louppe em artigo do Lições de Dança 2 ;minha formação envolvia diversas correntes e não tinha uma referência corporal constitutiva .
"A hibridação é , hoje em dia, o destino do corpo que dança, um resultado tanto das exigências da criação coreográfica, como da elaboração de sua própria formação" ( pag.31).
Se houve uma técnica em que me senti envolvida numa construção subjetiva , diria que a dança clássica , exercitada ao extremo no meu corpo , até hoje, mostra sua influência no desenho de certos movimentos , pelo alinhamento corporal e uma certa maneira de olhar a trajetória de um gesto ou movimento dançado .
Mas, foram os anos de trabalho com consciência corporal e experiências criativas com o grupo "Teatro do Movimento", dirigido por Klauss e Angel , e também o encontro com Graciela Figueroa , de cujo grupo fui integrante (Grupo Coringa),que deixaram as marcas mais visíveis e reconhecíveis nos meus processos de investigação e criação coreográficas.
Reconheço essas impressões na maneira como , pela primeira vez , me determinei a criar uma coreografia para concorrer no I Concurso Nacional de Dança Contemporânea de Salvador, organizado por Dulce de Aquino .
Chamava - se " Inocência" e se remetia às possibilidades de articulação de uma fluência liberada de movimentos , a partir de um repertório constituído pela repetição de gestos espontâneos, afinados com o meu aprendizado naquele momento. O universo das sensações corporais se revelava numa tal intensidade, como nunca havia experimentado; o prazer de movimentar-me pelo simples desejo de obter uma sensação de "presença" em meu corpo, tão treinado , diria mesmo, adestrado , em técnicas extremamente codificadas. Foi a partir desse momento, de descobertas tão importantes, que "Inocência " foi concebido e exibido numa Mostra Paralela do Primeiro Concurso de Dança Contemporânea de Salvador ( pelo excesso de repetições de movimentos, o trabalho havia sido recusado na "Mostra Oficial").
Num segundo momento, não me lembro se no ano seguinte à apresentação de "Inocência", resolvi dedicar-me à construção de uma nova coreografia. Desta vez, um pouco mais consciente das ferramentas necessárias à leitura de minha própria diversidade, escolhi uma música de Mahler , das Canções de um Caminhante Errante, como inspiração para a criação.
Caminhante e errante eram termos que bem traduziam a minha situação naquele momento. Embora não soubesse alemão e as palavras da canção me fossem estranhas do ponto de vista da sonoridade, pensei que isso não seria empecilho para que a comunicação de meus estados interiores fosse acompanhada pelo público. Havia, então, muita sinceridade ,ou , pelo menos, uma busca honesta de estar de acordo com a minha subjetividade e sua comunicação através de uma dança, agora dita , contemporânea.
Olhando para essa etapa, vejo o quanto estava sob a influência de uma visão expressionista na minha construção artística. Apesar de uma investigação dos modos de relação com o movimento a partir da impressão sonora, o ponto de vista preponderante era o da subjetividade.
A Dança Contemporânea nasceu no meu universo criativo quando da apresentação deste segundo solo.
Processos em movimento
No final dos anos 70, abria-se a possibilidade de um espaço para investigações e questionamentos referentes ao sentido das coisas sobre o corpo, em paralelo com as criações inovadoras de Graciela Figueroa. E o resultado foi um prêmio de melhor dançarina no III Concurso Nacional de Dança Contemporânea de Salvador.
Sintonizada com a idéia de criar coreografias a partir de uma prática que era exercida em sala de aula - quatro anos de aulas e apresentações com Graciela Figueroa, se constituíam num exercício dessa realidade- ,os trabalhos subseqüentes, coreografias eventuais para grupos e solos, atestavam , para mim, a eficiência deste procedimento.
Havia lugar para a colaboração , num processo que envolvia a pesquisa , experimentação e exploração de movimentos, além de discussões sobre os conteúdos dos trabalhos apresentados pelo grupo.
Para mim o corpo era o meio ,o lugar , através do qual a comunicação de uma inquietação , uma questão, poderia ser expressa. Não havia , apesar da diversidade de técnicas com que estava em contato, incluindo-se a improvisação, não havia espaço para pensar e atuar a partir da experimentação em cena.
Com o grupo Coringa , a palavra surgiu em meu trabalho como fonte de inspiração e elemento constituinte da cena. Éramos atores e bailarinos e, em muitos dos trabalhos, atuávamos, independentemente das formações técnicas, como atores - bailarinos.
Foi depois de uma viagem a Nova York, logo após minha despedida do grupo, quando fiz aulas com Merce Cunningham, que a minha relação com o movimento e o processo de construção coreográfica sofreram um abalo.
O aspecto técnico, o treinamento exaustivo de seqüências de movimentos em tempos que não deixavam espaço para a percepção do como se poderia executá-los de uma forma mais econômica ou mesmo mais ajustada às capacidades das articulações do corpo , promoveu uma revolução em meu interior. Aquele treinamento era profundamente coerente com o processo criativo do mestre Cunningham , ele era não apenas criador de espetáculos, mas também criador de corpos . Apesar de meu fascínio pela disposição que essa técnica gerava em meu estado interno - me sentia capaz , hábil e disposta a me propor e vencer desafios corporais sempre maiores, voltei para o Rio de Janeiro.
Devido às circunstâncias de um contato muito feliz com o pianista Jacob Herzog , compus com ele duas coreografias, logo de meu retorno . Ao trabalho com música ao vivo e ao desafio do estudo das partituras para a composição coreográfica devo a afinação de minha escuta sonora e corporal e a experimentação do espaço da cena de uma maneira nova pela presença do piano no palco.
Mas, quando fui dar aulas no grupo Coringa , me senti absolutamente fora de contexto. Lembro-me que havia, naquela época, a expectativa de que eu faria um trabalho coreográfico para o grupo.
Exatamente nesse período, Klauss Vianna se aproximou e fez um convite ,que me pareceu irrecusável; participar do Grupo Experimental do Balé da Cidade- um espaço aberto para pesquisa e criação coreográficas.
Sob a direção de Emilie Chamie (supervisão coreográfica de Lia Robatto ) e também de José Possi Neto, participei da elaboração de dois trabalhos -
" Bolero" e "Dama das Camélias".
A dança ,o teatro e a cultura oriental
Os anos 80, em São Paulo ,redimensionaram a minha relação com a dança e a construção da cena. A influência do teatro, onde, sob a direção de Antônio Abujamra participei do espetáculo "Uma caixa de outras coisas", além de coreografar e atuar em muitos trabalhos para diretores conhecidos pelo seu envolvimento com a dança como Márcio Aurélio ( "Pássaro do Poente) , Naum Alves de Souza ( "Nijinsky") e Ulisses Cruz ( "Corpo de Baile") , deixaram-me marcas profundas na maneira de pensar e realizar a criação cênica.
Tem razão Antonio Pinto Ribeiro quando diz que nos anos 80 , " sobre o corpo edificou-se a imagem de uma década (...) Onde antes se dizia que acabava o teatro e começava a dança, ou vice-versa, veio o corpo num processo de alargamento horizontal confundir os gêneros" ( Ribeiro , 1993).
Nesta época, Pina Bausch inaugurava na cena contemporânea um novo sentido, perturbador e instigador, que escapava das categorias e estéticas anteriores.
" O corpo bauschiano carrega o da modernidade, revolvendo-lhe as entranhas. E, ao fazê-lo, força o cênico a repensar sua natureza , seus limites, seus objetos"
( Thereza Rocha,2000).
Ora, Antônio Abujamra estivera na Alemanha e se encantara com os novos procedimentos. Trouxe em sua bagagem toda uma idéia de experimentação cênica pelo viés da corporalidade que, sem dúvida , muito me influenciou .
Em 1989 , "Paidiá", meu primeiro solo em território paulistano ,apresentado no SESC Anchieta , inaugura uma nova fase no que diz respeito ao trabalho de concepção e elaboração cênica.
Um fato muito anterior a esse trabalho que exerceu profunda influência sobre
mim , foi a idéia de Klauss Vianna de que as cordas vocais são como todos os músculos do corpo e devem ser trabalhadas. Lembro-me que ao me ver numa aula de dança clássica, aproximou-se da barra e disse : "Só falta falar".
Meu envolvimento com a palavra tornou-se uma fonte de inquietações que exigiam uma resolução. As questões relativas às possíveis implicações de um relacionamento cênico da palavra com o movimento me direcionaram para a elaboração de um modo de construção do qual não tinha conhecimento até o momento. Uma espécie de síntese de minhas experiências teatrais em contato com as potencialidades de abstração do movimento dançado , resultaram num trabalho híbrido , uma mistura de dança e teatro. Tanto foi esta a realidade do que havia ocorrido que , por este trabalho, fui premiada como autora-intérprete pela APCA.
Sobre "Paidiá", a crítica de dança Helena Katz afirma que foi inaugural; nele , a dança abdicou de sua missão de entender o mundo para movê-lo.
" Em ondas de claridade e escuridão, Mariana nos faz percorrer suas pontes com o teatro nô, butoh, em analogias recuperáveis apenas enquanto vestígios "(O Brasil descobre a Dança;1994).
Em "Paidiá", há um encontro com os textos de Mário de Andrade e Paulo Leminsky. Mas, são textos de um grande reformador do teatro, Jerzy Grotowski
(1933-1999) ,- que, por sua vez, se inspirou nas idéias de um outro grande pensador do sentido do fazer teatral : Antonin Artaud -, são esses textos que ,até hoje, me acompanham e recordam de idéias fundamentais para a criação cênica.
"Parece incrível que, na obra de Artaud, raramente se faça menção direta à dança. Mesmo assim, as relações podem tornar-se evidentes de duas maneiras: primeiro, ao se observar o caminho que a dança, ou mais precisamente o corpo atravessa no século XX; segundo, levando-se em consideração o caráter decisivo do contato de Artaud com a arte balinesa, que não conhecia distinção naquilo que o Ocidente conhece separadamente como dança e como teatro" ( Rocha;2000).
A idéia de uma dança superior na qual os dançarinos também seriam atores exerceu influência sobre Grotowski que criou o que hoje conhecemos como
" treinamento" para o ator. Também é de Grotowski a primeira pesquisa sistemática de espaços cênicos variáveis para cada espetáculo e a teorização de um "teatro pobre" tendo como base apenas o trabalho do ator , prescindindo de aparatos e abstrações tecnológicas. Mas , o que me fascina em seu trabalho teórico é a idéia do "Performer" como o fazedor de pontes , o criador e instaurador de um trabalho cênico em que as diferenças estéticas não importam ,pois ele é capaz de se colocar além destas classificações. O artista que ,em movimento de busca constante, desenvolve a capacidade de observar o mundo e a si mesmo, e faz do seu corpo , habilmente treinado e permeável às necessidades de seu tema, um laboratório de investigações para a construção da cena.
É de Grotowsky a idéia de que a voz é um prolongamento dos impulsos do corpo, de que podemos retomar o sentido de fluxo ditado pelo nosso próprio corpo, enraizado em sua totalidade como "corpo - memória".
"Cremos que a memória é qualquer coisa de independente de todo o resto. Em verdade - ao menos para os atores- é diferente. O corpo não tem memória , ele é memória" ( ... ) A estrutura pode estar finalizada, mas jamais o processo; jamais o ato pode estar fechado, acabado; mas a estrutura, sim; a disciplina, a organização da obra, sim. Se não temos esta faculdade, não podemos criar".(Jerzy Grotowski; Exercices,1969)
É necessário que diga o quanto estas idéias estavam presente nos ensinamentos do mestre Klauss Vianna que , do ponto de vista do treinamento do bailarino e ator, priorizava o desenvolvimento do senso de observação das sensações e memórias inscritas no corpo. Instigava a exploração criativa e expressiva das sensações que vivem na nossa memória muscular e cinestésica.
A improvisação era a nossa ferramenta básica de investigação de novas possibilidades de vivenciar materiais que estavam incorporados em nossos corpos e de descobrir movimentos dos quais não fazíamos idéia que estivessem na nossa memória muscular.
Tanto a improvisação , como procedimento para a composição coreográfica e a idéia da unidade corpo/mente, - um dos princípios norteadores de seu trabalho de formação do bailarino , intérprete e criador- , estão presentes em toda minha trajetória de criadora e intérprete. O acaso e a sistematização de movimentos a priori convivem na cena de todos os meus trabalhos, participando da composição de seu tecido coreográfico.
Ainda desse tempo de elaboração do solo "Paidiá" , data o meu envolvimento, por questões de saúde, com as técnicas de terapia corporal de origem chinesa; uma influência que se exerce até hoje na minha maneira de conceber e estruturar um trabalho de criação coreográfica. Especialmente visível na maneira como penso e sinto a fluência dos movimentos, a quantidade esforço para a sua execução e também no repertório de gestos.
Os chineses acreditam, por força dos 3.000 mil anos de observação e prática que, aquilo que nasce, seja o bebê , seja uma idéia, já existem em germe,
no corpo ,esperando apenas um pequeno movimento, um empurrão, uma motivação para que a criação se complete. Ora , essa maneira de olhar para o gesto criativo facilita muitíssimo o criador , naqueles momentos em que ele tem a impressão de que não deveria ter começado, em que a crise o coloca diante da dúvida entre continuar ou desistir.
O pensamento chinês, iminentemente prático e carregado de imagens de natureza mítica, está impregnado pela idéia de que a prática é o fundamento da teoria. Este ponto tem sido crucial para me manter em contato com inquietações e buscas no território da criação cênica. Como professora e estudante das técnicas orientas - Lian Gong em 18 terapias e Tai ji quan- cujos treinamentos apontam na direção de uma interação e integração entre corpo e mente, percebo que meus trabalhos cênicos refletem a utilização desses procedimentos em meu cotidiano.
A idéia do "Vazio" como um estado corporal que nos possibilita a entrada num espaço interno propício ao movimento criativo e ao reconhecimento do potencial do inconsciente para fornecer material , via sonhos e memórias ,tornou-se mais consciente, a partir do contato com a cultura oriental. Um de seus aforismos diz
" O método é treinar o que tem forma ( músculos, tendões e ossos) para serem os colaboradores daqueles sem forma ( qi); cultivar o que não tem forma para assistir o que tem forma."( Tratado do "Yi Jin Jing"- transformação e restauração dos músculos e tendões)
Não apenas em "Paidiá" , mas , em trabalhos como "Dantea" ( 1993), "Túfuns" ( 2000) , "Mover-se"(2001) e "Rimas no Corpo"( 2004) verifico o quanto imagens e idéias de cunho oriental impregnam os meus trabalhos.
Tenho como prática , durante os meus processos de criação , o hábito de anotar e descrever as minhas descobertas de movimentos e de utilização do espaço cênico. Faço desenhos e comentários sobre os mesmos , os quais me ajudam a ter clareza sobre o sentido e a direção do trabalho.
Sínteses no corpo/mente
Desde os anos 90 , quando conheci meu atual companheiro de vida e trabalho, a minha relação com a criação cênica passou a ser intermediada pelo olhar estético do arquiteto Cláudio Gimenez Filho. A elaboração de "Dantea", solo inspirado na poetisa portuguesa Florbela Espanca, foi influenciado na dramaturgia e na construção espacial por Cláudio Gimenez ,na sonoridade plástica da trilha pela composição de Denise Garcia, integrante do grupo de pesquisas teatrais Lume e, na luz e figurinos pelos olhares especiais de Guilherme Bonfanti e Fábio Namatame, respectivamente. Após meses de estudo dos poemas, entre leituras das obras completas e seleção dos textos, em poesia e prosa, comecei o trabalho de dar corpo a um material que, aparentemente, não sugeria a implicação do corpo em movimentos dançantes. Dança e literatura, corpo e palavra ; mais uma vez , estava buscando uma nova forma de organização e investigação das tensões relevantes para a construção de uma síntese entre os meus conhecimentos do fazer teatral e a
diversidade de linguagens gravadas no meu corpo - memória .
Segundo Helena Katz, em crítica do Estado de São Paulo , em 29 de março de 2000: " Assim como Paidiá não era sobre a Dama do Paço, mas se estruturava por meio dela, Dantea também não é sobre Florbela Espanca, mas pela sua poesia...Mariana apenas usa os temas para tratar daquilo que parece conduzi-la em tudo que faz: uma inquietação sobre as misteriosas ligações entre o sagrado e o profano...não produz espetáculos e, sim , rituais."
Não sei até que ponto isto é uma realidade na estrutura de "Túfuns"- solo criado para o rumos Itaú Cultural Dança/2000 , em colaboração com Cláudio Gimenez.
A poesia do poeta maranhense Ferreira Gullar serviu de base para uma pesquisa sobre as possibilidades de entrelaçamento cênico das linguagens da dança e da poesia. Nesta proposta , a reflexão sobre o sentido do fazer artístico se interpôs , ganhou um espaço que não antevira , quando de meus primeiros pensamentos sobre o sentido da montagem. Me interessou , num primeiro instante, o fato de haver no seu pensamento, em forma de poesia, um lugar especial para o corpo. Para Ferreira, o corpo é o lugar dos trânsitos criativos e também , onde nascem e morrem todos os dramas , os atos e gestos de consciência." VIDA, a minha , a tua, eu poderia dizê-la em duas ou três palavras ou mesmo numa corpo..."( FERREIRA, Gullar. Antologia Poética. Pág. 55, 1976)
"Mover-se " e "Rimas no Corpo" seguem na esteira dos procedimentos investigativos dos trabalhos anteriores. Em "Rimas", que partiu da idéia de dançar em silêncio, ouso fazer movimentos, influenciados por um trabalho de seis meses de aulas de euritmia - disciplina criada por Rudolf Steiner e sua esposa ( 1921). Trata-se da aprendizagem dos movimentos que realizamos com a laringe ao falarmos. "Movimentos que são os da fala , se relacionam com ela, mas não a imitam... Portanto, a fala enquanto tal- a palavra, a linguagem- é tornada visível por meio dos movimentos humanos, e isso significa algo novo."(Lasse Wennerschou)
Para mim foi algo realmente novo e enriquecedor do ponto de vista da criação coreográfica; pensar a palavra de acordo com os movimentos da euritmia e improvisar a partir das direções que o corpo delineia no espaço até encontrar os estados corporais que mais próximos estivessem de impressões colhidas numa pesquisa de campo de muitos meses.

Articulações e continuidade
Penso que o gosto pela pesquisa de linguagem, a curiosidade , a vontade de saber mais sobre como dar voz e movimento aos processos e percepções internas seja o motor de todos os meus trabalhos de criação. Há cinco anos , professora das Faculdades de Teatro e de Dança e Movimento da Universidade Anhembi-Morumbi, venho desenvolvendo trabalhos de orientação coreográfica que me impulsionam a refletir sobre a importância de saber pensar e falar sobre os procedimentos criativos, envolvidos numa montagem cênica.
A questão da qualidade do que se comunica através da cena , além do compromisso com a idéia que impulsiona a criação, tem sido fundamental como motivação para a minha continuidade como criadora e intérprete.
"Todos os impulsos humanos direcionados para o que chamamos, de modo impreciso e canhestro de "qualidade" provêm de uma fonte cuja verdadeira natureza é totalmente desconhecida, mas que somos perfeitamente capazes de reconhecer quando se manifesta em nós ou nos outros. Ela não se comunica por sons ou ruídos , mas através do silêncio."(BROOK, A Porta Aberta, Civilização Brsileira,1999 , pág. 49) Peter Brook tem sido uma referência importante, tanto que, meus alunos, em processo de criação , o têm como leitura obrigatória. Suas idéias sobre o sentido do desenvolvimento da sensibilidade , como preparação para a comunicação cênica, tornam-se essenciais na medida em que o processo evolui, e influenciam, inclusive, a escolha dos procedimentos coreográficos, como ao trabalhar com a intérprete - criadora , Cláudia Palma ,da Cia 2 do Balé da Cidade, em outubro de 2004.
Continuo em processo de acabamento; incompleta, inquieta e profundamente curiosa a respeito dos intercâmbios entre corpo e mente e seus diversificados reflexos cênicos na contemporaneidade. Atenta aos trâmites culturais e suas ressonâncias na minha pele, músculos, ossos e nervos. Sinto-me um corpo atravessado, vazado e intermediado por uma natureza que me revela como bailarina, atriz , coreógrafa e performer, em constante MOVIMENTO.
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________________________________________________________________
Mariana Muniz . Graduada em Administração, formada em Dança pela Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Professora nas Faculdades de Teatro e Dança e Movimento da Universidade Anhembi-Morumbi. Criadora- intérprete em dança contemporânea e diretora responsável pelo Espaço Ghut de Arte, São Paulo. Aluna do IV Curso de Formação Profissional em Eutonia (2005-2007).

REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BROOK, Peter. A Porta Aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1999.

GROTOWSKI, Jerzy. Exercices. In: Action Culturelle du Sud Est ;Supplemente au nº 6 ,1969.

GULLAR, Ferreira. Antologia Poética. Rio de Janeiro, Editora Fontana e Summus Editorial,1976.

LOUPPE,LAURENCE. Corpos Híbridos. In : PEREIRA,R.SOTER,S.(ORGS.) Lições de Dança 2.Rio de Janeiro, UniverCidade Editora,2001.

WENNERSCHOU, Lasse. O que é Euritmia curativa? : um caminho consciente para as forças vitais ; três cartas .São Paulo: antroposófica,1997.

RIBEIRO, Antonio Pinto. Dança temporariamente contemporânea , Lisboa: Veja,1993.

ROCHA, THEREZA.O corpo na cena de Pina Bausch. In: PEREIRA, R.SOTER,S. (ORGS.)Lições de Dança 2.Rio de Janeiro, UniverCidade Editora,2001.

KATZ,HELENA. 'Dantea' confirma presença marcante de Mariana Muniz.
In: O Estado de São Paulo. Março,2000.
_____________ O Brasil descobre a Dança descobre o Brasil. São Paulo: DBA Artes Gráficas,1994.









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