O QUE PERTURBA (faz tempo) CORPO PERTURBADOR?
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA OBRA.

Fátima Daltro

Lendo o texto do Coreógrafo/Intérprete Edu O, - A gente só se “foge’- de 24 de janeiro de 2011, postado em seu BLOG - http://ocorpoperturbador.blogspot.com, percebo, ou melhor, constato mais uma vez, dentre as centenas de vezes já ocorridas, agora banalizadas, a ausência dos meios de difusão em espetáculos de dança, especificamente em espetáculos de dança com pessoas com deficiências. Uma enxurrada de pensamentos invadiu-me e memórias recentes de acontecimentos diversos que passamos juntos no evento, 1º Encontro de Dança Inclusiva. O que é isso?, toma corpo atualizando-se através de sua fala. Memórias, lembranças, muitas delas boas, singulares, especiais, esclarecedoras, outras complexas e difíceis de lidar no momento que nos surpreendem e nos levam a refletir as questões de acessibilidade, singularidade,mercado de trabalho e as ausências, justamente no que aborda em seu desabafo, Edu O.
É duro perceber que apesar de todos os meios tecnológicos de inovações que cercam o mundo contemporâneo, com tanta multiplicidade de intervenções no campo do conhecimento da dança, ainda não conseguimos ter uma boa representatividade midiática. E no caso da dança que é construída por dançarinos com deficiência, o descaso é ainda mais complexo por aportar e ventilar tendências equivocadas hegemônicas a respeito do corpo dessas pessoas como improdutivos e incapazes de se auto-gerir, ou seja, ineficazes. Ancoradas estão no ideário mecanicista do corpo belo e ideal para dança que até os dias atuais vem se mantendo.
Trago aqui para fortalecer essa reflexão, o exemplo do 1º de Dança Inclusiva. O que é isso?, porque também caminhos por atalhos, bifurcações e escolhas de itinerários para podermos nos infiltrar para conseguir da cabo de um projeto sem suporte de divulgação, a frágil representatividade midiática que ronda esses ambientes. A nossa voz, vem para reforçar e apoiar o sentimento de indignação que percorre o corpo desse artista (também o nosso), educador, coreógrafo e dançarino, Edu O. Tal comportamento deixa efetivamente explícito o descaso, a marginalização e a exclusão que ainda perpassam pelo ambiente onde o artista com deficiência habita. A impressão que fica é que tais performances não são produtoras de conhecimentos. Se acaso for assim, o espetáculo O Corpo Perturbador, nega cabalmente esse modo de pensar. Para o público espectador que esteve presente na temporada, incômodos e desafios ali estão presentes fervilhando lançando perguntas e reflexões ao mundo. Tal fato encontra-se presente na falas, emails e depoimentos recebidos após o espetáculo.
Reportando ao Encontro realizado no Espaço Xisto Bahia (2010) pudemos constatar a presença consistente de professores, estudantes, pesquisadores, profissionais e pessoas interessadas em estudar dança, especificamente a dança que é construída para e com o corpo da pessoa com deficiência. A mesma situação se verificou em relação à participação do público consumidor presente apreciando o espetáculo Corpo Perturbador. As discussões e exposições realizadas em ambos os eventos tocaram em pontos fundamentais acerca de educação, mercado de trabalho, acessibilidade, lugar de pertencimento, autonomia e poéticas artísticas. O que diferiu entre os eventos foi o modo de exposição, um no formato de evento científico para discutir questões em torno do corpo da pessoa com deficiência, o outro, em formato poético expõe indagações e reflexões que se aproximam em diversos pontos acima indicados. O evento idealizado por mim (coordenadora), Edu O (curador) e Eleonora Motta (coordenadora) fruto de inquietações presentes nas ações artísticas educativas e poéticas por nós desenvolvidas, no período, nos fez perceber a necessidade de abrir discussões sobre o corpo com deficiência, para compartilhar as experiências e os avanços no que se refere à informação, formação e profissionalização artística dessas pessoas. Durante o evento foi criado um campo de ação rico com discussões calorosas e propostas de intervenções em diversos territórios de onde viam os participantes. Inaugurou-se uma ação conjunta para divulgar e espalhar por todos os lugares possíveis o acesso às discussões acontecidas no Encontro, driblando temporariamente a ausência tão comum dos meios de difusão, fato também ocorrido com o espetáculo O Corpo Perturbador. Ver site do idança.net.
Os incômodos e provocações que perturbam o artista Edu O, encontram referências em nossos corpos, sentimos na pele/corpo o que é construir um evento sem o apoio dos meios de difusão. Podíamos voltar atrás, desistir, mas, a curiosidade persistente, o desejo de mudar hábitos e preconceitos mais antigos alimenta o corpo, as idéias do artista. A descoberta das imperfeições franqueadas pela instabilidade do viver próprio do mundo, bem como outras significações de mundos para a estruturação do nosso através de redes sociais, políticas, educacionais estão construindo meios de penetração, embora lentamente. Vivemos a cada obra artística apresentada experiências humanas diversas tais como: o prazer de poder construir obras de cunho artístico educativo, a possibilidade e levantar reflexões no público consumidor, perceber os olhares surpreendidos, a sensação de bem estar percorrer o corpo, o alcance positivo, a eficiência dos trabalhos realizados pela equipe de produção divulgando (via web), amigos e pessoas compromissadas o evento, consequentemente, ocupação completa dos espaços disponíveis, casa cheia. Entrelaçando as mãos por varias vias conseguimos disseminar na rede as reflexões e ações dos eventos, descobrimos que não estamos sós. No entanto, elaborar estratégias de sobrevivência é importante para romper com o pensamento hegemônico onde o preconceito ainda é recorrente e decorrente, sobretudo da falta de informação e intolerância a modelos mais flexíveis de entendimento de corpo que continua circulando. Tal modo de pensar difunde a idéia do corpo com deficiência que dança como fonte de tristeza, de improdutividade e de invalidez permanente irrigando de modo equivocado suas elaborações artísticas. Discurso que, materializados como dança se impõe como categorias paralisantes transformando a sociedade e deslocando esses sujeitos para territórios estritamente excludentes (BAUMAN, 2003). As imagens são manipuladas e organizadas para darem visibilidade apenas aquilo que interessa ver, dá ao espectador a falsa impressão de inclusão, em realidade estão utilizando o exercício perverso da exclusão. Ele é sutil, pois se faz pelo mecanismo nomeado de “exclusão pela inclusão” (AGABEN, 2002), um estado de exceção permanente, um arranjo que captura os direitos livres de expressão desses artistas. Para ter passaporte livre precisa concordar com a idéia do corpo coitadinho fazendo arte. Uma condição adversa á rica dramaturgia do espetáculo Corpo Perturbador e aos estudos científicos em torno do corpo. Quem lá esteve pode perceber, viver perturbações corporalisadas fazendo parte do ambiente cênico, uma oportunidade de romper com a idéia do corpo coitadinho fazendo arte. Entender a dança e o corpo com deficiência que dança por esse viés é se acomodar as situações, aceitar os discursos redutores que tem como função calar as vozes dissonantes.
As vias são múltiplas e complexos são seus enredamentos, precisamos sim, encontrar outros caminhos além dos já utilizados para que, e alem das bifurcações existentes emergências possam surgir para ampliar os estudos das relações entre os homens e o ambiente favorecendo a circulação dos bens culturais por eles criados. Fato esse observado no espetáculo – O Corpo Perturbador - do coreógrafo/intérprete Edu O, e seu parceiro de dança Meia Lua. As discussões e reflexões postas no mundo por esses artistas reverberaram em cada espectador presente perturbando em cada um, o seu próprio ambiente, o corpo. A dramaturgia cênica do Corpo Perturbador exposto através de corporalidades não habituais imbuída estava de experiências humanas sutis e fecundas no tratamento do movimento por onde os dois dançarinos passavam. Suas escolhas, resultados de processos sociais, culturais, políticos ali estavam reunidos explorando o espaço cênico, expondo a dança por todas as vias abertas e disponíveis para possíveis discussões. Leva em conta a diversidade das sensibilidades humanas, seus olhares cúmplices desafiam e cortam o ambiente cênico deixando margem para múltiplos entendimentos. O corpo, o movimento do e no corpo expõem suas curvas escolióticas, desenha espaços de tensões temporais e rítmicas. Dúvidas e desafios emergem da intrincada rede de marcação de terreno, aqui entendido como espaços possíveis de diálogos e negociações. Como animal e sua presa, enredados estavam seus pensamentos/movimentos construindo a dança propriamente dita, em seus aspectos sutis e metafóricos. Resposta corporal, de fisicalidade sentida e percebida que põem por terra as verdades objetivas e lineares. Posicionados estão nas zonas instáveis criando, aceitando e dialogando corporalmente com as emergências advindas desse devir. O espetáculo - Corpo Perturbador – impactante, forte e questionador franqueando reflexões acerca das possibilidades poéticas do corpo. Desabafos, amores, queixas, dores, paixões instalas estão no corpo. É o corpo que se perturba por suas próprias experiências e perturba o outro, que perturba o outro, que perturba... A pesquisa se deu em torno dos devotees (devoto- aquele ardentemente devoto) que são pessoas que tem interesses na pessoa com deficiência com a intenção de um relacionamento efêmero e ou duradouro, bem como o desejo em satisfazer seus prazeres, seus fetiches, suas obsessões, suas relações interpessoais. A seriedade da elaboração cênica e seu conteúdo educativo artístico, põe por terra cabalmente a idéia da incapacidade de auto-gerência e trás para o campo das discussões questões nucleares acerca da relação da dança e deficiência e acessibilidade. O corpo que falamos aqui é o corpomídia (Greiner e Katz, 2005), sujeito biológico e culturalmente implicado, cognitivamente hábil para traçar seus caminhos. Situado está no campo das múltiplas relações, dialogando e possibilitando a geração de outras dinâmicas de interação e interpenetração múltiplas, construindo conhecimentos.
As ausências são muitas, desde espaço para acesso á educação de qualidade quanto a mais simples ação corriqueira do dia a dia. Ter visibilidade poética? Um exercício constante para estabelecer estratégias de sobrevivência para sua permanência no tempo (Vieira, 2006), para não cair no ardil engendrado pelo pensamento comum que leva á falência de idéias criativas e de sentidos humanos mais complexos. Pensar criticamente sobre a situação, uma tarefa árdua e permanente para que novas ações possam reverter conseqüências danosas. É comprovadamente aceito que privar o corpo/sujeito de experiências traz conseqüências devastadoras ao comportamento. O lugar do corpo no mundo, seja ele qual for com deficiência ou não, é o lugar que ele constrói como corpo vivo, no momento presente transformando e transformados pelas experiências vivificadas.
A música do compositor Raul Seixas, Metamorfose Ambulante é um bom exemplo..., quem sabe escutá-la... ? Boa apreciação..., transformação sensibilização.



Metamorfose Ambulante (Raul Seixas)
Prefiro ser essa metamorfose ambulante,
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela amanha já se apagou
Se hoje eu te odeio amanha lhe tenho amor




[...]é chato chegar a um objetivo num instante. Raul Seixas.

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